quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Volta as aulas

13 meses
...como assim, 13 meses?!

Sim, 13 meses. Minha estada foi adiada, mas nao se preocupem: em dezembro Patricia estara de volta em terras brasilis. Por enquanto, vamos ficando nos relatorios...
Bem, ja que estou aqui na India, tive que comecar a aprender o basico da lingua nativa: o hindi. Com o ingles eh possivel sobreviver, mas saber hindi eh essencial para certas operacoes basicas, como negociar precos, perguntar onde fica algum lugar (e entender a resposta), saber ler placas de sinalizacao (pois algumas nao sao dadas em ingles), etc e tal. Entao, a primeira medida foi ir a uma livraria e comprar um livro “hindi para iniciantes”, acompanhado de dvd interativo e caderninho de anotacoes. Fui toda alegrinha para casa, feliz da vida, me sentindo no primeiro dia de aula do colegial, com o material escolar novinho e merenda na mochila.
Tudo ilusao... Confesso que, na primeira licao, ou melhor, na primeira frase da licao 1, pensei em desistir. A disposicao gramatical das palavras eh completamente diferente do portugues... primeiro vem o sujeito, depois o complemento, depois os adverbios... e depois de tudo, la bem no finalzinho, vem o verbo... (???), ou seja, a tipica frase “The book is on the table”, em hindi, ficaria mais ou menos “the book the table on is”… Nao ha professor de cursinho capaz de criar macetes ou musiquinhas que facilitem a memorizacao de tal idioma... contudo, o objetivo ja estava decidido: ou eu aprendo hindi, ou nao me chamo Patricia!

Depois de ler a licao 1 durante tres meses consecutivos, consegui ter uma breve nocao da sintaxe e gramatica do hindi... demorou, mas dei conta...
Parte dois: aprender a escrita. Pior do que entender a lingua, eh tentar ler o que esta escrito em Devanāgarī (como se chama o nome da escrita). Como o alfabeto deles eh baseado no som das palavras e nao, em silabas (como eh o nosso caso), cada som tem um simbolo diferente. E cada simbolo, uma obra de Picasso a ser desenhada. Me senti lendo palavras em japones, pois sao tantos desenhos e formas diferentes para se decorar, que parece mais aula de artes plasticas do que de idiomas... Por incrivel que pareca, ate que essa parte foi rapida (comparada a licao 1 do meu livrinho...). Em um mes ja tinha decorado boa parte dos simbolos mais usuais (pois alguns soh sao usados na escrita formal). Hoje, quando saio as ruas, pareco menino de primeira serie que acabou de aprender o alfabeto: fico tentando ler tudo quanto eh placa e cartaz que me aparece na frente... Aaa – veee - niii – daaa
Enfim, depois de algum esforco, consegui aprender o basico para a sobrevivencia... ufa! Agora ja consigo ate discutir preco com os motoristas de oto, hehehe. Mas o mais interessante nao foi aprender o idioma, mas comparar algumas palavras que, no portugues, teria um significado completamente diferente. Por isso, a titulo de curiosidade, descrevo abaixo algumas dessa palavras:
- Keila = quem nao conhece alguem no Brasil com esse nome? Pois eh, aqui na India, keila eh banana...
- Perla (pehla) = outro nome proprio no Brasil que, aqui significa ‘primeiro (a)’.
- Dedo = se alguem disser essa palavra a voce, eh porque quer algo. O verbo ‘deda’ significa “dar”, entao ‘dedo’ eh “da-me” (ou no popular: me da!).
- Alho = calma, aqui nao tem nada a ver com comida. Muito pelo contrario, se alguem disser ‘alho’ para voce eh porque quer que voce “olhe” para algum lugar...
- Andar = em hindi, essa palavra tem a primeira silaba como a mais forte. Dizemos aannndar, ao inves de andaaar. Andar significa ‘dentro/do lado de dentro’.
- Azar (hazar) = azar aqui da sorte. Essa palavra eh referente ao numero ‘mil’.
- Sal = novamente, nada de comida. Sal significa ‘ano’; um sal, um ano...
- Detalhe (detalye) = a expressao que usamos “toca aqui” para duas pessoas baterem as maos, em hindi, eh... detalhe!
- Mata = Se pronuncia da mesma forma que o portugues, mas por incrivel que pareca, essa palavra significa ‘ mae’.
*Pequena observacao:’mata’ eh mae; ‘pita’ eh pai; adivinha como eh pais...? ‘Mata-pita’!

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Retrospectiva

Diario de bordo: outubro de 2008.
Um ano! Puxa, como passa rapido... parece que foi ontem quando cheguei no aeroporto de Nova Deli toda perdida para recuperar minha bagagem e tentando encontrar o motorista que iria me levar ate o ICGEB. Quando sai da porta de desembarque, lembro que me deparei com uma multidao que se atropelava para mostrar, cada um, a sua plaquinha que indicava o nome de um “gringo” ou empresa de turismo. A cena, sem brincadeira, era assustadora... me senti num filme de terror. E, naquele sufoco, tive que passar duas ou tres vezes pelo corredor polones de plaquinhas (empurrando um carrinho com duas grandes e pesadas malas, diga-se de passagem) ate encontrar o meu nome... “Petricia Pellegrini”, soh pode ser eu! Meu primeiro impulso foi pular no pescoco do rapaz que segurava a plaquinha com meu nome e gritar “Me tira daqui!”, mas o instinto fugitivo foi logo repelido, pois o rapaz era tao magrelinho e raquitico que, se eu pulasse, iria quebra-lo em pequenos ossinhos magricelas. E realmente, alem de magricela, ele era fraquinho... mal conseguia levar a minha bagagem ate o carro (isso porque tinha rodinhas...). Eu mesma tive que tomar a iniciativa de leva-las, senao ele morreria no meio do caminho. E como ele tambem era o motorista, nao poderia deixa-lo morrer, afinal, ja era meia-noite e, alem de cansada e com fome, eu estava doida por um banho. Quando chegamos ao carro, foi a gloria! Malas para dentro, Patricia para dentro e vamos embora! Nao sei qual o nivel das aulas de geografia aqui na India, mas o motorista, de repente, comecou a puxar papo comigo em hindi... depois de 15 minutos falando “I dont speak hindi”, ele entendeu que deveria mudar de idioma, ou a conversa nao iria para frente... se eh que havia alguma conversa ate o momento. Mas nao adiantou muito... utilizando o ingles mais macarronico que ja presenciei em minha vida, plus advanced sutaque tipicamente indiano,o motorista comecou a me fazer perguntas uma atras da outra, mas a unica coisa que consegui entender foi “ICGEB”... “Yes, ICGEB!”, respondi. Ufa, pelo menos ele esta me levando para o lugar certo...
E doze meses depois, ja estou craque no ingles indiano. Alem de entender e saber interpretar cada palavra em ingles que eles falam (que eh bem diferente do ingles falado em qualquer outra parte do planeta), ja sou capaz de pronunciar as palavrar com uma fluencia tipica indiana! Sim, pois o ingles daqui eh uma mistura de hindi, ingles, e algumas travadas na lingua que, ao final, vira um idioma completamente diferente. Precisarei de um curso intensivo de ingles nos Estados Unidos quando eu for embora da India, para poder adquirir o ingles propriamente dito... novamente...
Eh... doze meses que mudaram muito a minha vida... muito habitos tiveram que ser mudados, alguns comportamentos modificados, mas tudo foi aprendizado. E melhor, terei muitas, muitas boas lembrancas guardadas, muitas estorias para contar, muitos momentos que estarao presentes para sempre no meu dia-a-dia. Assim, posso dizer que aprendi muitas coisas,dentre elas:
- Aprendi a comer com as maos, sem que isso fosse uma atitude anti-higienica;
- aprendi que comida apimentada por ser uma delicia, especialmente quando se esta comendo com as maos;
P.S.: lave bastante as maos, caso queira ir ao banheiro ou cocar o olho durante a refeicao...
- aprendi a tomar banho de balde, e a economizar agua (ja que a agua nao fica jorrando do choveiro durante o tempo todo do banho); aprendi que, as vezes a agua pode acabar quando estamos completamente ensaboados, e que isso nao eh bom...
- aprendi que nao existem posses, o que eh meu eh seu, o que eh seu eh meu e, o que eh nosso eh de todo mundo!
- aprendi que nunca se esta soh quando se esta na India. Havera sempre alguem para te ajudar, e melhor, sem pedir nada em troca, alem do “Obrigado”;
P.S.: e sempre havera alguem para saber da sua vida, o que voce faz, com quem faz, para onde vai, de onde vem, simplesmente pelo prazer de... fofocar...!
- aprendi que, quando se faz alguma coisa errada no trabalho, deve-se pagar uma prenda dando festas para o pessoal da equipe. E, quando se faz alguma coisa certa no trabalho, deve-se comemorar dando festas para todos;
- aprendi que eh possivel viver feliz e em paz consigo mesmo sem gastar tanto e sem ganhar tanto. Pode-se ser muito mais feliz quando se ganha mais, mas nunca quando se gasta mais...
- aprendi que a solidao pode ser um otimo remedio para tomada de decisoes e solucao de problemas, para conhecimento do proprio eu, para crescimento pessoal e, principalmente, quando se quer comer uma panelada de brigadeiro sem ninguem por perto...
- aprendi que viver em outros paises, principalmente quando a cultura e o estilo de vida sao muito diferentes do pais de origem, eh uma excelente experiencia para quem quer crescer espiritualmente, emocionalmente, profissionalmente e, acima de tudo, como ser humano.

Bom, acho que deu para aprender algumas coisinhas, ne?



Quer pagar quanto?!

Diario de bordo: setembro de 2008.

Bom, tem um assunto que eu pretendia escrever ja tem um tempo, mas soh agora juntei informacoes suficientes para descrever aqui. Sao sobre os produtos eletroeletronicos produzidos e vendidos na India. E agora, depois de tantas experiencias, vale a pena contar um pouquinho. Desde que cheguei aqui ja tive que comprar dois aquecedores, dois liquidificadores, ja troquei o ventilador de teto, arrumei o ar condicionado e, no momento, meu ferro esta com um ligeiro defeito... depois de tudo isso, cheguei a conclusao de que talvez, assim, quem sabe, os eletroeletronicos na India nao sejam de tao boa qualidade (ou entao os equipamentos nao gostam de mim... :P)...
Pelo menos tudo o que eu comprei de marca nacional, acabei tendo que trocar por outro de marca conhecida (deve ser porque aqui nao tem Brastemp...). Explicarei produto por produto, assim fica mais facil:
Logo que me mudei para o meu apartamentinho, comecei a mobilia-lo de maneira que eu tivesse tudo, mas ao mesmo tempo, que nao gastasse muito. Entao, a solucao foi comecar comprando coisas mais baratas, ja que seria apenas para durar por pouco tempo. Apesar de que nao esperava que fosse durar tao pouco assim... O primeiro foi o liquidificador. Como sabia que nao iria cozinhar muito, comprei um liquificador de marca nacional, o mais barato que tinha na loja, soh para o intuito de fazer vitaminas e sucos. Ate que era bonitinho, vinha com tres jarras de tamanhos diferentes, de aluminio, e o motor vinha na cor creme com vermelho. Iria quebrar um bom galho... e quebrou.... literalmente... Ta, ate que ele durou bastante, uns tres meses, e enfim, no quarto mes de uso, a helice do motor resolver se soltar e minha vitamina vasou liquidificador abaixo... Utilizando minha tecnica Tabajara de reconstituicao de liquidificadores, dei um jeito de re-ajustar a helice e continuei utilizando-o normalmente. Mas o fim estava proximo... para ajustar a jarra no motor, era preciso encaixar o copo e dar uma giradinha para a direita. E para retirar, era soh fazer o caminho inverso: dar a giradinha para a esquerda e puxar o copo. Mas numa bela manha de sol, apos preparar uma vitamina feliz e contente, fui retirar a jarra do motor... giradinha... nada... puxo o copo para sair... nada... outra giradinha... snif...o copo nao sai.... ate que resolvi aceitar o fato de que a vitamina devia ter virado uma argamassa no fundo da jarra (ja com a helice em condicoes instaveis), que colou no motor, formando uma super-ultra-hiper-potente cola, impossivel de ser solta por qualquer ser humano... Resultado: jarra (copo) e motor para o lixo (detalhe: a jarra foi suja de vitamina recem-preparada...) e vamos para a loja comprar outro. Assim, ja consciente das possiveis complicacoes enfretadas com produtos nacionais, resolvo comprar um liquidificador Walita. Nao era dos melhores da loja, mas desta vez tambem nao foi dos mais baratos. Esse ate hoje esta em funcionamento.. ufa...

Capitulo dois: o aquecedor.

Em meados dos mes de novembro, pouco antes do inverno chegar, decido comprar um aquecedor, ja que em dezembro a temperatura iria cair bastante e, para nao ficar desprevinida, resolvo compra-lo o quanto antes. Infelizmente, utilizo o mesmo sistema do liquidificador: acabo comprando o mais barato da loja; de marca nacional, claro. Mas ele era bem simpatico: branquinho, pequeno, com cobertura de borracha, nem parecia um aquecedor de tao bonitinho. Mas beleza exterior nao conta nem para eletroeletronicos: na primeira semana de uso, o fusivel queima e tenho que voltar na loja para trocar. O vendedor, todo prestativo, enviar o aquecedor para a fabrica e, uma semana depois, me devolve com tudo consertado. Volto para casa (sempre feliz e contente!) na esperanca de re-estrear o aquecedor. Mas inteligencia de jumento dura pouco: como eh que eu fui comprar um aquecedor com cobertura de borracha?!! Eh logico que, na primeira super-aquecida do coitado, a borracha foi queimando junto com o aquecedor e, no final de meia-hora do aparelho ligado, meu quarto parecia um deposito de pneu queimado... sem contar na fumana que foi se formando... Saldo do dia: aquecedor queimado, quarto esfumacado e, principalmente, frio, pois tive que abrir portas e janelas para areja-lo, levando todas as esperancas de uma noite quentinha de sono... Refaco minha peregrinacao a loja para comprar outro aquecedor. Desta vez, compro o segundo mais barato (sou mesmo insistente com esse tipo de coisa...), com formato de radio dos anos 20, feio, cinza, mas... funciona! Os meses de inverno passam sem preocupacao e meu aquecedor se mante firme e forte... ate hoje.

Capitulo tres: o ventilador.

Saimos do inverno e, em menos de um mes, estavamos num calor escaldante... incrivel como a temperatura daqui muda bruscamente. Entao, nada mais justo do que comecar ligando o ventilador. Quando esquentasse mais, eu ligaria o ar condicionado. O ventilador comecou funcionando muito bem. Passei ate a dormir com ele ligado, nao dava nenhum problema. Soh que as vezes sou obrigada a lembrar que estou na India, e aqui, durante os meses de verao, sofremos com as infernais quedas de energia. E numa dessas quedas, o ventilador foi e nao voltou mais... pobre ventilador, tao bonzinho, e desta vez nem foi tanta culpa dele assim... Como eu precisaria mandar alguem instalar outro ventilador (pois isso nao esta incluso no meu curso Tabajara), chamei a dona do apartamento que, em tres dias, mandou um tecnico para instalar um ventilador novo. Tres dias de sofrimento que me fizeram ligar o ar condicionado. Ainda bem que liguei logo, porque se fosse esperar a necessidade para bota-lo para funcionar, eu estaria perdida...

Capitulo quatro: o ar condicionado.



Jeca que eh jeca tem que aprender a mexer em qualquer aparelho no dedo, nada de olhar no manual de instrucoes!... Eu nunca tive ar condicionado em casa, o meu daqui foi o primeiro. Recem-instalado, ficou na parede quase dois meses antes que eu apertasse qualquer botao. E como nao sabia que botao apertar primeiro, fui apertando todos os “ON” que vi pelo caminho. Resultado: primeiro veio um ruido, depois um barulho igual a motor de caminhao e, por fim, a explosao.... bum!.... e meu ar condicionado morre no mesmo dia em que da as primeiras baforadas geladas. E quase que me leva junto: o barulho foi tao assustador que pensei que havia uma granada explodindo dentro do ar condicionado... pelo menos o tecnico aproveitou a visita para instalar o ventilador e tambem consertou o ar condicionado. Sim, consertou, porque era Samsung. Se fosse da marca “Aladim” ja teria ido para o brejo e eu teria que desembolsar 35000 rupias para comprar um novo... ja o primeiro ventilador era da marca “Aladim”...

Ultimo capitulo: o ferro de passar roupas.

Posso ser pao-dura, mas na hora de comprar o ferro de passar roupas nao economizei. Sou pessima para passar roupas, apesar de gostar da funcao, entao o jeito era comprar um super-ferro, daqueles que vem com diferentes opcoes de temperatura, lugar de colocar aguinha para selecionar se a passada vai ser “a seco” ou “a vapor”, luzinha que acende quando a temperatura esta mais quente que o ideal, enfim, tinha que ser um ferro foda. E o meu foi, soh faltou a opcao de servir cafezinho. E melhor, era rosa! (:D). Consegui passar roupas por 10 meses sem nenhum problema. As roupas podiam nao ficar tao bem passadinhas, mas o ferro continuava la, firme e forte. Ate que numa outra bela manha de sol... fui passar roupas assistindo ao “bendito” jogo de futebol do Brasil contra a Argentina na semi-final das Olimpiadas. Era um raro momento em que a televisao indiana mostrava um jogo do Brasil e eu nao podia perde-lo por nada nesse mundo! Entao juntei o util ao agradavel: como tinha muita roupa para passar, resolvi colocar a tabua na frente da tv e ir acompanhando o jogo enquanto ia passando. E foi soh o que precisou, um gol da argentina, e meu ferro pulou da tabua para o chao, queimando dedo, mao, quase meu pe, e deixando rolar para o lado o botao que regulava a temperatura... os fisicos que me expliquem, mas o ferro caiu com a parte quente para baixo, me queimou toda, e ainda conseguiu arrebentar esse botao que ficava na parte de cima, protegido ainda pela alca que usamos para segura-lo...e o botao ainda me fez o favor de se quebrar em quatro pedacinhos, pode?... aaaaaaahhhhhh!!!!!!! E mais uma vez, minha tecnica “Tabajara consertator” teve que ser posta em pratica. Ajustei o botao de volta no ferro e, apesar de nao saber mais a que temperatura o ferro se encontra, pelo menos consigo saber se ele esta ligado ou nao. Comprar outro? Nao sei. Se o melhor ferro da loja me decepcionou assim, quem dira o mais baratinho...

Nos picos do Himalaia

Diario de bordo: agosto de 2008 (parte II)

Tour para Manali

Bom, a viagem para o norte foi, como dizem os bugueiros das praias do nordeste do Brasil, “com emocao” (e muita emocao!). Nao que haja a opcao “sem emocao”; ou voce aproveita a emocao, ou morre de desespero, rs. Primeiro pelo fato de 2/3 da estrada ser nas montanhas, com apenas uma via (a pista que vai eh a mesma que volta) e cheia de curvas ao longo de toda viagem. Segundo, porque nosso querido motorista nos “privilegiou” durante todo o trajeto (ida e volta, diga-se de passagem...) com memoraveis “pescadas” ao volante...
Entao vamos la! Haviamos combinado com a agencia de viagens que o motorista iria nos buscar as 5 horas da manha de segunda-feira. A emocao ja comecou antes mesmo de sairmos da cidade, pois o carro que iria nos levar quebrou antes de chegar em minha casa... tive que ligar para a agencia, que logo enviaram outro carro. Enfim, saimos com quase 1 hora e meia de atraso. O nosso motorista chegou com um sorriso simpatico e aparentemente bem disposto para nossa viagem de 12horas com destino a Manali. Mas a disposicao do motorista era soh fachada... em pouco menos da metade da viagem percebemos que o motorista, em alguns momentos, cochilava no voltante... ahi meu Deus, o que fazer? Cheguei delicadamente no motorista e perguntei se ele estava bem... acho que ele foi honesto demais na resposta, pois logo ele se levantou e disse que nao estava bem, e que precisava parar para tomar uma xicara de cha, que ajudaria ele a acordar para a viagem. Pois bem, na primeira biboca que apareceu, ele fez o primeito pit stop para a tomada de cha. Depois disso, era soh ele comecar a pescar que logo ele arranjava outro boteco de beira-de-estrada para tomar o chazinho e despertar. Pena que eles ainda nao conhecem o guarana em po, senao eu ja teria socado uma bela colher de sopa no chazinho dele... queria ver ele cochilar no voltante de novo...
Em uma dessas paradas para o chazinho, perguntei inocentemente se haveria a possibilidade de eu ir ao banheiro, pois estavamos viajando a varias horas, e nao tinhamos parado para tirar a agua do joelho em nenhum momento. O motorista, todo prestativo, foi perguntar onde eu poderia utilizar o banheiro. Voltou rapidamente para o carro e me indicou um caminhozinho por tras do boteco de beira-de-estrada, onde o final dava para o tao sonhado banheiro. Ta, eu ja esparava que esse banheiro nao seria la grande coisa, afinal, estavamos no meio do nada e no interior da India, onde as condicoes de higiene sao bastante precarias. Mas o que encontrei no final do caminhozinho foi algo impressionante: quando a estradinha terminou, me dei de frente com um matagal, que revelava no horizonte um vale sobre o qual atravessavamos por entre as montanhas. Na hora pensei comigo “bom, o banheiro deve ser a moita, entao...”, mas soh para desencargo de consciencia, resolvi perguntar para um senhor que estava por perto. Quando eu disse a palavra “toalet” ele deu um sorrisinho sarcastico e me mostrou uma casinha de barro. “Ah, existe banheiro por aqui!”, pensei toda animada. Mas tudo em vao: quando entrei na casinha (que, na verdade, do lado de fora tinha o aspecto de uma casinha de cachorro feita de barro), nao tinha nada. O banheiro era, na verdade, soh um comodo, de 1xm por 1xm, com uma canaleta no chao que “drenava” a urina para o meio do mato. Uma lona servia de porta para que a pessoa tenha a “privacidade” de urinar ou defecar sem ser vista. Por incrivel que pareca, a minha primeira reacao foi de tristeza por nao estar com a maquina fotografia comigo, pois, apesar de precario, o sistema sanitaria era bem interessante, rsrs. Bem, final da historia: tive que inaugurar o “banheiro” assim mesmo, nao iria conseguir segurar para a proxima parada. Sai de la com a solas dos sapatos mijadas, mas aliviada. No aperto, qualquer coisa serve, rsrs.
Voltemos a viagem... chegamos em Manali ja a noite, animados somente para ir ao hotel, fazer o check-in, tomar um banho, comer, e dormir. Manali fica a 3000 metros acima do nivel do mar, com o ponto mais alto a cerca de quaser 6000 metros. Mas, apesar da altitude elevada, desfrutamos de um clima agradavel, nem muito frio, nem muito quente. Afinal, fomos no verao. Mas ainda foi possivel ver os picos das montanhas cobertas com gelo, o que deixa a paisagem do lugar deslumbrante.
Em um dos dias de passeio, fomos ao local onde as pessoas costumam ir durante o inverno para esquiar. Como sempre acontece com os marinheiros de primeira viagem, fomos todos animados na esperanca de encontrarmos um belo Resort com varias estacoes de esqui, neve e frio. Isso tudo no verao... mas a realidade fez questao de dar-nos um dolorido tapa na cara: ao chegarmos no local, descobrimos que a “estacao de esqui”, no verao, nao passava de um espaco de cerca de 500 metros quadrados com um pouco de gelo misturado a lama formada pela agua derretida. Foi um tanto quanto decepcionante, mas fazer o que? Estamos no verao, caramba! O bom eh que ainda deu para tirarmos umas fotos no gelo vestidos com roupas de esqui e fazer pose de “eu vi neve!”. E o melhor: a paisagem que era muito bonita: como estavamos a 6000 metros de altitude, as nuvens passavam quase aos nossos pes, parecia que estavamos no ceu... Agora, para esquiar a 6000 metros de altitude tem que ter muito folego, viu. Eu, que me considero bem preparada fisicamente, quase que engulo o proprio pulmao soh de ter que andar do carro ate a “estacao de esqui”, que nao levou mais do que 15 minutos...agora entendo porque os jogadores de futebol reclamam tanto quando tem que jogar no Peru...
Durante o passeio de cinco dias, visitamos alguns templos, monasterios, passeamos pelas montanhas e pudemos visitar outras duas cidades, Kullu e Manikaran. Na ultima cidade, que eh considerada um local espiritual e de peregrinacao tanto de hindus como de sikhs, a maior atracao eh a agua que sai das nascentes. As fontes de agua tem a temperatura extremamente quente e varias pessoas vao para la com o obejtivo de se banharem nessas aguas a fim de se curarem de doencas de pele, e se limparem espiritualmente. Diz a lenda que a agua passou a ter temperaturas elevadas devido a ira de Lord Shiva, quando este morava nessa regiao com sua esposa Parvati. Por isso, um dos templos mais famosos da regiao eh o Templo de Lord Shiva. Chegamos a ir numa piscina publica e a temperatura da agua eh tao alta, que soh de se aproximar ja da para sentir o vapor quente; imagine entrar numa agua dessas... Um fato interessante eh que fogo eh proibido na cidade; a comida eh feita sob uma panela que fica encima da agua enfervecente. Alem de servir para curar, a agua quente tambem serve como “fogao”. E dizem que a comida fica pronta em tempo mais rapido do que se fosse utilizado um forno comum...
Bom, vou parando por aqui, ja escrevi demais. Mas saibam que, apesar da viagem ser bastante cansativa (e aventureira), o norte da India traz paisagens e tradicoes que merecem ser visitados. Soh que, da proxima vez, eu vou de aviao...

Templo Dourado

Diario de bordo: agosto de 2008.
Este mes vou contar sobre dois passeios que fiz, um para o extremo oeste, perto da divisa com o Paquistao, e outro para o norte da India. Entao acho que vou dividir em dois posts, senao ficara muito grande...
Comecarei com o primeiro passeio: o pessoal do laboratorio resolveu montar uma excursao para uma cidade chamada Amritsar, onde fica o famoso Golden Temple – ou “Templo Dourado” – pois ele eh todo banhado de ouro. Este eh o maior templo Sikr, religiao derivada do hinduismo que hoje ocupa o segundo lugar de adeptos no pais. No entanto, pessoas de todas as religioes vao visitar esse templo, nao somente pela questao espiritual, mas pela beleza do lugar. Bem, esta cidade fica no extremo oeste da India, a 35km da divisa com o Paquistao. Entao, aproveitamos para ir la tambem, afinal, nao eh sempre que se ve indianos e paquistaneses convivendo sem guerras...
Partimos de Nova Delhi numa sexta-feira de manha e tinhamos o intuito de fazer os 500km ate Amritsar em 10 horas (tempo recorde, pois as estradas daqui sao terriveis!). Conseguimos chegar na cidade as 8 horas da noite, exaustos, famintos e doidos para um banho...
No outro dia, fomos ao Golden Temple. Antes de entrar, tivemos que tirar os sapatos, lavar pes e maos (para se purificar de qualquer sujeira....) e soh eh permitido entrar se a cabeca estiver coberta (pode ser com um chale, lenco, bandana, contanto que cubra). La dentro, ha um lago enorme onde se pode observar pessoas banhando-se nas aguas para se purificar. Ha uma ala separada para que as mulheres tambem desfrutem do banho sob as aguas sagradas. No meio do lago se encontra o templo e, para entrar nele, ha uma ponte conectando a margem do lago ao templo. Nao pense que entrar no templo eh facil: a fila eh enorme e a ponte mais parece um formigueiro de tanta gente disputando um pedacinho de espaco para nao ser jogada no lago e conseguir chegar no templo dourado. Eu nao tive tanta fe para enfretar essa fila... preferi ficar olhando soh de fora mesmo e tirar umas fotinhas...
O templo eh mantido com trabalhos voluntarios. Quem vai visita-lo aproveita para limpar as escadarias, lavar os banheiros, fazer a comida (os templos costumam oferecer comida para os fieis), enfim, servico eh o que nao falta. Na maioria das vezes, os voluntarios sao pessoas que nao tem condicoes de se hospedar em hoteis e dormem em acomodacoes precarias oferecidas do espaco do templo.


Bom, de la fomos a divisa da India com o Paquistao, que eh conhecida como Wagha Border. Todos os dias, ao por-do-sol, ha uma cerimonia de recolhimento das bandeiras de ambos os paises. Fomos para la assistir a essa cerimonia. Mas a cerimonia nao era nada do que eu esperava... quando chegamos no lugar, vi que, no exato local da divisa, encontrava-se um mini-sambodromo lotado de gente dos dois lados, sendo que, na pista, varias pessoas dancavam ao som de musicas indianas (no lado da India) e arabes (no lado do Paquistao). Parecia mais uma festa do que uma cerimonia militar. Tinha ate um animador de torcida que ficava gritando um “Hip hip, Uhaaa” em hindi, e a torcida respondia. La pelas tantas, os militares apareceram, e ahi sim, a pista foi esvaziada e a cerimonia comecou. Depois de muitas marchas, gritos, tira espada- bota espada na cintura, as bandeiras foram abaixadas, ambas ao mesmo tempo (para ninguem reclamar que uma desceu antes da outra) e a cerimonia terminou. E melhor, tudo sem conflitos entre os dois paises. Voltei para o hotel feliz por ter presenciado um acontecimento tao animado e importante para os dois paises.
Ainda tivemos tempo de visitar um parque da cidade chamado Jallianwala Bagh. Este parque ficou conhecido pelo fato de que, na epoca da luta pela indepencia do pais, houve um massacre de centenas de indianos pelos ingleses. E tudo aconteceu neste parque. Ha um enorme poco no local onde se diz que varios corpos de soldados e civis indianos foram jogados, e ainda permanecem la. E tinha gente que ainda ficava debrucada na beirada do poco tentando encontrar algum destes corpos... la tambem ainda esta o muro usado para executar os indianos a tiro, com as marcas de bala evidenciando os assassinatos. A terra dos jardins deste parque eh vermelha, e diz a lenda que ela ficou desta cor apos o massacre. Em homenagem aos que morreram, uma chama foi colocada no local e nunca se apaga, para que a lembranca do evento nunca seja esquecida. Apesar da tragica historia ocorrida neste parque, o lugar eh muito bonito e bem conservado e, hoje em dia, familias inteiras vao para la fazer piquenique, passear, levar os filhos para brincar...
Voltamos no domingo depois do almoco, chegando em Delhi na madrugada de domingo para a segunda. Foi uma viagem rapida, mas divertida e muito interessante. Valeu a pena!

Ligeiramente gravida

Diario de bordo: julho de 2008.
Chegamos ao fim de uma gestacao... 9 meses que passaram voando, mas que, ao mesmo tempo, me fizeram sentir como se eu estivesse vivendo aqui ha anos...Todos os dias vivendo e aprendendo mais sobre o modo de vida indiano, a cultura, habitos, pessoas.. enfim, acho que precisarei de pelo menos uma decada para conhecer tudo e finalmente entender como o ser humano consegue se adaptar a uma variedade tao grande e diferente de estilos de vida. E eh dessa forma que vou compreendendo tantos comportamentos, vou me tornando uma pessoa mais observadora, paciente e posso ate dizer, menos seletiva. Vivendo num pais onde ha tantas diferencas sociais, onde a casta a qual se pertence ainda vale muito na hora de conseguir um bom emprego ou um bom casorio, onde 75% da populacao vive na miseria e ainda sim consegue acordar e sorrir todos os dias pelo pao conquistado no cafe-da-manha, onde as leis nao obedecem nenhuma regra senao a da riqueza, passo a ver o Brasil como o Paraiso. Sim, Deus realmente deve ser brasileiro. Nossos pobres tem um teto, mesmo que pequeno, e na maioria das vezes ate uma televisao com aparelho de DVD, enquando na India, a maioria das pessoas literalmente moram nas ruas, tendo apenas a cama para dormir. As mulheres brasileiras podem sair sozinhas, morar sozinhas, criar filhos sozinhas, serem donas dos proprios narizes sem que a sociedade as discriminem violentamente, enquanto as mulheres indianas, por mais liberais e “westernizadas” que sejam, acabam por se submeter a casamentos arranjados, a dependencia eterna e fiel dos maridos; mulheres com alto grau de instrucao que nao sao colocadas no mercado de trabalho pelo simples fato de serem mais uteis no trabalho do lar.
Pais cheio de mitologias e pensamentos fiolosoficos milenares, muitos deles maravilhosamente aplicaveis ate os dias de hoje, mas com tradicoes e padroes sociais aquem do que a populacao hoje realmente necessita, a India ainda me surpreende e me encanta ao mesmo tempo... todos os dias.
E por falar em 9 meses, vou falar um pouco sobre gravidez na India. Parece um tema meio bobo, mas gravidez aqui eh levada de uma forma bem diferente de como vemos no Brasil. Aqui, apesar de todo o tratamento pre-natal que a gestante recebe, eh por lei proibido saber o sexo do bebe, uma vez que ha ainda muitas mulheres que fazem aborto ao saber que vao dar a luz a uma menina. Tambem nao se faz cha-de-bebe, nem ha aquela preocupacao em se montar um quarto para o recem-nascido. Na India, roupas novas somente depois de 1 ano de idade; de 0 a 11 meses o bebe nao usa roupas e, quando usa, sao usadas, vindas de algum parente, primo, sobrinho, irmao, que ja as tenha utilizado anteriormente. Dai vem a pergunta: quem sera que usou pela primeira vez a roupinha...??? Em alguns lugares, a crianca continua usando roupas de outras pessoas ate atingir 4 ou 5 anos, entao eh normal ver meninos usando blusinhas rosas de florzinhas e meninas de calcas com desenhos de carros de formula 1. Nao se atreva a tentar identificar quem eh menino ou menina nessa idade, pois voce pode passar por um constrangimento enorme... Nunca chame “hei menino”, ou “menina”, chame apenas “crianca”, assim nao ha perigo de passar por ocasioes embaracosas.
Ha tambem o costume de que o bebe durma na mesma cama que os pais ate atingir idade suficiente para dormir no seu proprio quarto. Por isso, nao ha bercos, ‘moises’, ou qualquer outra cama em que o bebe possa dormir, somente carrinhos de bebe e olhe la! No entanto, ve-se criancas de 7-8 anos que ainda dormem na mesma cama dos pais e nunca, repito NUNCA, dormiram nos seus proprios quartos. Fico imaginando como os pais conseguem ainda produzir irmaozinhos a essas criancas... rsrsrs. Isso sem contar que, em vilas e outras cidades menores do interior do pais, familias inteiras dormem na mesma cama, tanto pela tradicao, como pela situacao economica. E o pior eh que essas sao as familias mais numerosas! (Como sera que conseguem?!).


Bom, aqui tambem nao ha aquela festa toda que fazemos quando uma mulher engravida. Ao contrario do Brasil, que recebemos a noticia com alegria e procuramos avisar parentes e amigos sobre o novo ser que vai chegar, aqui na India, ficar gravida eh como ir a padaria comprar pao, soh que o pao que vai sair do forno eh maior! Rsrs. Verdade, eh bem sem-graca ser gestante na India, mas como eh da cultura, eles veem isso como um fato normal, somente nos estrangeiros eh que achamos esquisito.
A proposito, aqui gravidez fora do casamento nao existe. Quer dizer, existe, mas provavelmente sera morte para mae e filho, se nao literal, pelo menos moralmente. Eh considerado tabu a mulher engravidar de namorados e, ainda que se encontre casos raros, a historia com certeza acabara em casamento. Assim, pelo menos nao afetara a “dignidade” da familia. Ha alguns centros clandestinos de aborto, mas que nao oferecem nenhuma higiene, muito menos profissionais que facam o servico adequadamente. Se no Brasil esses locais ja nao oferecem seguranca, imagine aqui... E nao pense que camisinha eh divulgada na India, porque nao eh. Logicamente, creio ha muito poucos lugares no mundo onde os metodos anticoncepcionais sao divulgados tao abertamente quanto no Brasil (nao que eu concorde com isso...). No entanto, na India, muitos adultos, ainda nos dias de hoje, crescem sem nem mesmo ter ouvido falar em metodos anticoncepcionais. Por isso, eh bom segurar soh para depois do casamento, senao...

Aaaauuuummmmmmmmm....

Diario de bordo: junho de 2008.
O mês de maio passou com tranquilidade. Apesar do calor crescente, houve dias de chuva para refrescar um pouco as temperaturas em torno dos 40 graus.
Desde que cheguei aqui, fiquei muito interessada pela filosofia hindu e pelo hinduísmo em si. Procuro estar sempre lendo algo sobre o assunto e todo o mês tento comprar um livro relacionado a uma das duas coisas. Também estou frequentemente conversando com alguns colegas do laboratório que me contam um pouco sobre a religião hindu, a cultura, modos de vida e claro, sobre a filosofia. Então, gostaria de poder dividir com vocês um pouco do que estou aprendendo aqui, pois, para mim, essa está sendo uma lição de vida preciosa, e que está me levando a re-pensar em muitas das minhas atitudes e opiniões.
O hinduísmo e o budismo são muito semelhantes em suas regras básicas, uma vez que o segundo surgiu do primeiro, quando budha criou uma nova vertente para o pensamento hindu. Os hinduístas têm Budha como um deus hindu e também seguem suas palavras.
Apesar de serem cheios de deuses e mitologias – creio que há mais deuses hindus que santos católicos - os hindus têm como princípio a idéia de que deus está dentro de cada um de nós. Para eles, cada ser humano é, na verdade, um deus, e só encontraremos deus em nossas vidas quando conseguirmos enxergar o que há dentro de nós. Isto é, somente conhecendo a nós mesmos é que poderemos enxergar o que somos e o mundo onde vivemos. Assim, poderemos ser capazes de apreciar as virtudes que nos foram dadas pela vida e como aproveitá-las da melhor maneira possível.
Bom, então, neste mês, resolvi enviar para vocês o texto de um guru muito famoso por aqui, como também nos Estados Unidos. O texto é um capítulo de um dos livros que ele escreveu. Trata-se sobre a busca por Deus, mas o que mais me interessou no texto foi a maneira como ele vê Deus e como devemos ter Deus em nossas vidas. O texto que tenho é em inglês, então tive que fazer uma tradução para o português. Mesmo assim, estou mandando a versão original em anexo, porque não sei se a tradução ficou muito boa. Espero que apreciem as palavras dele como eu e também possam refletir sobre esse assunto que, tantas vezes, nós tentamos evitar.
Ah! Já vou avisando que o texto é enorme, mas tenham paciência. Vale a pena gastar alguns minutos a mais com essa leitura.

P.S.: como o autor do texto é hindu, há algumas palavras que ele coloca que vocês podem não conhecer. Então estou descrevendo abaixo algumas delas com o seu significado ou explicação:
Bhagavad Gita (ou somente Gita) = é o livro sagrado hindu, como a Bíblia é para os católicos.
Ishta = escolha ideal de Deus.
Sri-Ramakrishna = também conhecido como Krishna, é o personagem principal do livro Gita. É como se fosse Jesus Cristo para o Novo Testamento.
Mae Kali = Deusa-Mãe para os hindus.
Lord Shiva (ou somente Shiva) = No panteão indiano, representa o arquétipo do asceta, o deus da libertação, o Yogui dos Yoguis, o destruidor da ilusão ou da ignorância. É a terceira pessoa da Trimurti, ou trindade: Brahma, Vishma, Shiva. Diz a tradição que esse deus está no monte Kailasa, no Himalaia, absorto em contínua meditação.
Swami Vivekananda = monge, iogue e filósofo hindu.
Maya = Ilusão. O poder cósmico que faz possível a existência fenomênica e as percepções da mesma. De acordo com a filosofia hindu, somente aquilo que é imutável e eterno merece o nome de realidade; tudo o que está sujeito a mudança e que, portanto, tem princípio e fim, é considerado Maya.
Brihadaranyaka Upanishad = é um dos livros mais antigos da religião hindu. Contém cânones, textos filosóficos e ensinamentos sobre meditação e adoração.

UMA PROCURA FRUTÍFERA POR DEUS
Swami Shraddhananda


Chegando aos Estados Unidos em 1957, Swami Shraddhananda foi o coordenador da Sociedade Vedanta em Sacramento de 1970 até sua morte, em 1996. Ele foi o autor de “Enxergando Deus em todos os lugares” e “Estória de uma época”, bem como de muitos artigos publicados em jornais americanos e bengális. “Uma procura frutífera por Deus” pode ser encontrado em seu livro “Enxergando Deus em todos os lugares”.


"Aqueles que buscam por Deus normalmente se frustram de diversas maneiras; as pessoas não entendem que essa procura pode ou não ser produtiva. Alguns reclamam, “Eu já tentei meditação. Já tentei concentração e preces por dois anos, ou três anos, ou quatro anos, mas nenhuma luz veio”. Outros reclamam que tentaram meditar para alcançar Deus de diferentes maneiras e estão confusos sobre o que Deus realmente é.
Quando nós estamos interessados em buscar Deus, nós primeiro deveríamos estabelecer qual Deus estamos procurando, porque diferentes formas de Deus são dadas em diferentes religiões; e, mesmo dentro de uma mesma religião, pode-se encontrar diferentes concepções sobre Deus. Se a pessoa que busca não consegue se decidir sobre uma idéia em particular de Deus, ou sobre qual conceito de Deus se identifica, ele ou ela deve procurar a ajuda de um guia espiritual competente. Se a pergunta não foi estabelecida, a vida espiritual dessa pessoa esta fadada à confusão.
Algumas pessoas gostam de pensar em Deus como uma verdade impessoal, ou seja, um Deus em forma, não material – como uma Realidade infinita, a consciência infinita, como a Benção infinita. Elas deveriam se agarrar a essa idéia de um Deus imaterial. Algumas vezes acontece de uma pessoa cuja idealização seja por um Deus imaterial, após vasta leitura e devoção, desenvolver interesse por um Deus material, tal como Shiva, Krishna ou a Nossa Senhora. Essas pessoas podem continuar nesse caminho por um tempo, mas eventualmente não encontrarão paz e regozijo. A contemplação pode não ser frutífera.
Por outro lado, considere o caso de uma pessoa que tenha uma natureza emocional e quer amar Deus incondicionalmente, no sentido pessoal, de um Deus com forma. Neste caso, se a pessoa que busca - após vasta leitura nas áreas filosóficas e metafísicas- tentar mudar para um Deus como o Princípio Infinito, ou seja, sem forma, ele ou ela não encontrarão interesse em Deus. Somente haverá frustração. Portanto, um ponto importante para se decidir desde o começo é qual aspecto de Deus mais aprecia e qual Deus eu devo buscar.
Outro obstáculo vem logo após: nossa impaciência. Nós começamos com uma certa noção de Deus e continuamos por um tempo assim, depois nós simplesmente nos cansamos. Não encontrando a “iluminação instantânea”, nós tentamos outro conceito de Deus. Depois outro. Nós continuamos pulando de conceito em conceito. E esse processo é o grande hidrante para uma efetiva busca por Deus.
Após o “Ishta” (nossa escolha ideal de Deus) ter sido decidida, nós deveríamos dar um tempo suficiente para que a contemplação se torne efetiva. A parábola de Sri Ramakrishna de que, se cavando um buraco em um mesmo lugar é mais instrutivo, é um bom exemplo. Se uma pessoa cava somente dez pés, ou vinte pés, em um mesmo ponto e, não encontrando água, desiste, muda de lugar e começa a cavar de novo, mas nunca profundo o suficiente, ela certamente encontrará somente frustração. Se esta mesma pessoa cavar um pouco mais, por exemplo trinta pés, a água provavelmente será encontrada. Sri Ramakrishna disse que a impaciência frequentemente aparece em nossa vida religiosa, e é um grande obstáculo. Atraindo o Ishta-nishta para uma única escolha ideal, é extremamente importante.
Sri Ramakrishna começou sua busca adorando Deus como a Mãe Divina, na imagem da Mãe Kali, em um espírito de absoluto auto-rendimento e fé. Sri-Ramakrishna era como uma criança com fé total em sua mãe, sabendo que tudo o que ela fizesse seria o melhor para ele. Com essa fé, Sri Ramakrishna alcançou sua prática espiritual.
Mas o caminho não foi fácil. Nós sofremos muito se algum desejo não é realizado, porém, para aquele que busca, mas não se atém à visão de Deus, o peso da frustração é mil vezes mais doloroso. O aspirante desenha em sua mente diversas realizações e se sacrifica em muitas coisas por Deus. Se Deus não responde, um sofrimento agudo toma conta de toda a pessoa. Isso também aconteceu com Sri Ramakrishna. Ele sofreu por meses porque a Mãe Kali permaneceu como uma pedra imóvel. Mas ele não desistiu; sua fé o sustentou. Um dia, finalmente o milagre aconteceu: a Mãe Kali respondeu. Sem dúvidas, Sri Ramakrishna sentiu que a Mãe Kali não tinha forma material, mas existia sob a forma de uma consciência infinita. Essa visão naturalmente trouxe a ele grande paz de espírito, mas sua dependência sobre a Mãe Kali continuou. Podemos imaginar sua atitude: “ Oh Mãe, eu devo permanecer sempre seu filho. Você me abençoou com esta visão, mas eu não posso dizer que este é o fim, então eu dependo de você. Por favor, segure em minha mão e leve-me aonde quer que seja necessário para a perfeição de minha vida espiritual”. Como resultado de sua rendição, coisas maravilhosas aconteceram. A Mãe Kali começou a lhe oferecer muitas outras experiências. Para Sri Ramakrishna, todas essas diferentes visões de Deus, materiais ou não, eram somente diferentes faces da Mãe Divina. E cada passo de sua busca se tornou frutífero.
Se nós tivermos sinceridade e paciência, nossa busca por Deus também será frutífera – não importa qual o conceito de Deus nós começamos a buscar. Pela graça de Deus, mais e mais da verdade dele e da nossa verdadeira natureza serão revelados. Todavia, existem sempre dois pensamentos que nos confundem em nossa vida espiritual: nós não sabemos o que é Deus e onde ele esta, e nós realmente não sabemos o que somos. Essa nossa ignorância em relação a Deus, nós mesmos e nosso mundo é chamada de “Maya”. Uma busca frutífera por Deus permite que uma pessoa atravesse maya.
Quando nós olhamos para nós mesmo, parecemos ser bem pequenos comparados com o vasto universo. Aonde vamos, confrontamos com a dualidade de sermos pequenos e grandes. Nós vamos a uma livraria e vemos milhares de livros nas estantes, relacionados a diversos assuntos. Quão pequeno é o nosso conhecimento se comparamos com a quantidade de conhecimento presente em todos estes volumes! Um senso de frustração e insignificância nos oprime. Nós viajamos para uma região de montanhas e descobrimos que mal conseguimos escalar alguns mastros, enquanto que os altos picos evidenciam nossa insignificância diante deles. Nós nos sentamos em um restaurante e nos permitimos comer o tanto que quisermos por certa soma de dinheiro. Após pagar essa quantia, começamos a comer, mas logo nosso estomago se recusa a aceitar mais. Novamente o senso de frustração aparece: “Eu gostaria de poder comer o dobro desta quantidade, mas não posso”. Esta é nossa experiência. E é igualmente verdade para as áreas do amor, da saúde, da felicidade, da amizade, da honra, e assim por diante. A vasta e pequena invariabilidade esta continuamente dos dois lados. Esse conflito pode ser resolvido unicamente pelo aprendizado espiritual.
Assim, a consciência de Deus é uma descoberta em dois níveis. É o descobrimento da minha natureza espiritual e a descoberta de Deus, do Infinito, de quem está escondido pela luz da existência empírica. Ele está escondido pela natureza, pela vida, pela minha mente, por todos os sensos de experiências. A partir do momento que cresço espiritualmente, descubro tanto Deus como eu mesmo. Minha natureza física e psicológica pode ser limitada, mas minha natureza espiritual, não. Eu realmente sou espírito. Espírito é muito mais do que natureza, muito mais do que mente, muito mais do que vida. No processo desta descoberta, meus medos e dúvidas sobre eu mesmo vagarosamente começam a desaparecer. Não pode haver nenhum medo, dúvida ou confusões no meu verdadeiro Eu. O progresso espiritual significa progresso na compreensão da minha natureza espiritual, bem como na compreensão do infinito, da realidade imutável, de Deus.
Por que estou buscando Deus? Muitas pessoas buscam Deus quando estão em crise – quer de saúde, condição econômica ou alguma outra dificuldade maior. Se Deus ouve essas preces, elas dizem, “Oh, Deus é bom”. Se as preces não são respondidas, elas perdem a fé. Por outro lado, se a pessoa tem a fé verdadeira, ela dirá, “É a vontade de Deus; que seja feita a vontade”. A fé desta pessoa não foi abalada.
Nós estamos numa busca espiritual porque estamos procurando Deus para termos paz e força. Nós não estamos satisfeitos com o mundo como ele é; ele está continuamente em transformação. Nós não estamos satisfeitos com este corpo; ele rapidamente alcança os 70 anos, a idade limite para mim no meu horóscopo! Nós sentimos medo, então queremos nos libertar deste medo. Nós procuramos por algo estável, um conhecimento que nos traga satisfação em sua totalidade. Nós não estamos satisfeitos com nosso pouco conhecimento, com nossos pequenos momentos de prazer. Os santos e sábios nos dizem que aquele que se realiza em Deus, torna-se livre do mal, de paixões, medo e ignorância. Mesmo vivendo neste corpo, a alma iluminada se sente livre. Nós lemos no Bhagavad Gita (livro sagrado para os hinduístas) que o nosso “Eu” não pode ser queimado pelo fogo, morto por espadas, derretido pelo calor, ou levado pelo vento. O nosso “Eu” é nossa verdadeira natureza, o princípio de consciência pura dentro deste corpo transitório.
Numa genuína busca espiritual, nós procuramos por Deus com o objetivo de descobrir que nós realmente somos parte do infinito, do Ser Imortal. Nossa própria verdade compartilha com a natureza de Deus. Se nós podemos encontrar Deus através de nossa busca, nós provavelmente iremos encontrar nós mesmos. Nós nos encontraremos eternamente relacionados com Deus; nossas vidas serão enterradas nesse amor sem fim. O medo da morte irá desaparecer para sempre. Quando nós nos tornamos consciência de Deus, passamos a não ter nem passado, nem futuro. Passamos a viver num presente sem fim, eterno. Nós também nos levantamos acima das nuvens do céu. O vasto universo não poderá mais nos amedrontar.
Se nosso propósito é puro, e nós buscarmos Deus pelo bem de Deus – ou seja, se nós buscarmos Deus com o objetivo de estarmos conscientes de que somos preenchidos por Deus – nós certamente seremos capazes de descobrir que Deus está em nossa própria verdade, em nossa própria essência. Ao entrar em nosso corpo, Deus preenche cada poro da nossa consciência, assim como disse Brihadaranyaka Upanishad.
É muito importante saber onde buscar Deus. Nós geralmente buscamos Deus em um lugar longe, nos paraíso após a morte. Os grandes sábios e mestres nos dizem, entretanto, que se nós estivermos seriamente buscando Deus, nós deveríamos tentar ver sua presença primeiro dentro de nós mesmos. Foi Ele quem nos deu a capacidade de ver, ouvir, cheirar e trabalhar. Existem pessoas que tiveram essa experiência: elas sempre sentem que é Deus quem direciona suas vidas; e dessa realização vem a auto-redenção.
Num hino para Lord Shiva, Swami Vivekananda descreve Deus como a calma infinita presente atrás de todos os barulhos do universo. Em outro verso, está descrito que a mente selvagem, com todos seus desejos e distrações é, de fato, a dança de Shiva. Se nós conseguirmos olhar por cima de nossas mentes selvagens como a dança de Shiva, o que é selvagem desaparecerá em dois segundos; isto é o miraculoso toque de Deus. Se nós pudermos tocar qualquer coisa com o Divino, qualquer coisa poderá se transformar. Então, quando nós buscamos Deus, nós devemos procurar dentro de nós. Se nós formos capazes de sentir sua presença nos movimentos de nossos corpos e mentes, nós nos tornaremos purificados.
A prática da contemplação de nosso interior gradualmente nos permite ver a glória de Deus no universo. O décimo capitulo do Bhagavad Gita (livro sagrado hinduísta), descreve a contemplação de Deus na natureza. Onde quer que haja a manifestação do poder ou da excelência, quer numa montanha ou numa árvore, ou no ser humano, o Gita nos ensina a ver a presença de Deus em cada objeto. Isso pode se tornar outra busca, a busca por Deus na natureza. Mas é melhor que esta busca seja feita após nós termos progredido um pouco em tentarmos experimentar Deus dentro de nós mesmos.
Nós não podemos dar nenhum tempo de nossas vidas para a depressão. Não há nada na vida espiritual para se deprimir.
Deus é simples, e a busca também é algo simples. Os principais fatores necessários nesta busca são a fé, a auto-redenção e a sinceridade. Sri Ramakrishna disse que se você der somente um passo em direção a Deus, ele dará dez passos em direção a você. Nós devemos manter nossa fé. Nós não devemos nem ler demais, nem de menos, nem permitir que nossas mentes se dispersem em diversas direções. De alguma forma, nós nos prendemos nesta vida pequena; se nós pudermos desenvolver um desejo de liberdade, nossa busca será lucrativa.
Nós devemos nos lembrar de que essa experiência espiritual é um processo contínuo. Não será de repente que nós nos encontraremos iluminados. A iluminação acontece todos os dias. Quando nós sentamos para contemplação por pelo menos 15 minutos, nós devemos sentir que estamos na presença de Deus. Nós repetimos seu nome; essa é a comunhão, essa é uma experiência de Deus. Se Deus é o poder e o amor em nós mesmos, então como podemos perdê-lo? Se a definição Vedanta de Deus - como a Totalidade das coisas - está clara, nós podemos encontrar Deus em qualquer lugar.
Como nossa contemplação cresce gradualmente, o senso para a presença de Deus torna-se cada vez mais forte. Claro que a mente irá se dispersar quando estivermos ocupados com nossas atividades secundárias, mas assim que encontrarmos tempo para fechar os olhos, poderemos sentir a presença de Deus. Nós podemos ouvir a voz de Deus dizendo: “Eu estou com você, Eu estou com você”.
Nós devemos ter um espírito de auto-redenção. Deixe Deus guiar sua vida. Ele é um guia responsável. Ele é meu amigo eterno, meu companheiro eterno. A partir do momento em que essas experiências se tornarem mais claras, nós não teremos mais medo, seremos mais fortes e imparciais. Então, poderemos caminhar nesta vida com liberdade; não teremos medo de nada – nem mesmo da morte. Os desejos desnecessários não mais incomodarão nossa mente, porque saberemos que, conhecendo Deus, conhecemos tudo. Nós aproveitaremos todas as coisas por meio de Deus. Esta é a frutificação real da vida espiritual. Um busca frutífera por Deus é sim, possível. A vida espiritual nos trará o estado no qual a nossa pequena personalidade desaparece e nossa natureza divina aparece".

Vem chegando o verao

Diario de bordo: maio de 2008

Ola pessoal! Chegamos aos 7 meses!
Bom, de dois meses pra ca muita coisa mudou, principalmente a temperatura: passamos de uma media de 15º C em fevereiro para 43º C no inicio de maio. Isso porque a previsao eh para que chegue a 45-47º C em meados de junho! Aqui nao tem primavera e outono; ou eh inverno, ou eh verao. O verao comeca quente e seco, mas no mes junho as chuvas comecam e a temperatura aumenta. E depois, soh em setembro para o calor resolver ir embora. Agora estou entendendo porque o pessoal costumava dizer que o clima estava agradavel quando fazia “meros” 35º C na epoca em que cheguei aqui. Realmente eh bem mais agradaval do que 43º C ...
Num pais onde faz calor 8 meses ao ano, eh incrivel ver como os indianos detestam tomar sol. Alias, eles tem um pavor enorme de pegar uma corzinha. Tudo muito paradoxal, ja que a grande maioria da populacao tem pele morena(que, para a maioria, eh amarela, justamente pela falta de sol...). O padrao de beleza aqui eh ter pele branca - o que as mulheres normalmente conseguem com a ajuda de cosmeticos (provavelmente produzidos anteriormente utilizando o Michael Jackson como cobaia, hehe) – embora, como ja dito antes, pelo menos 90% da populacao NAO ter pele branca (vai entender...). A alta temporada em cidades litoraneas e praias eh no inverno. E, a proposito, eh muito engracado ver os indianos na praia, pois eles nao usam roupas de banho. Nao pela cultura ou religiao, mas pelo sol mesmo. Eh comum ver pessoas vestidas com roupa social circulando por entre as barracas de frente ao mar, ou mesmo indianos entrando na agua de calca jeans e camiseta. E as mulheres vao para o mar do mesmo jeito em que iriam a uma festa: de suit (roupa tipica delas, composta por uma calca de algodao e blusa larga, normalmente batendo ate o joelho), pulseiras, joias, sandalias e o acessorio a mais que estiverem usando. Logico que isso tudo voce somente ve durante o inverno... e olhe la. No verao, soh mesmo os estrangeiros eh que curtem as praias, indiano que eh indiano foge do sol e soh sai de casa a noite. Sombrinha aqui nao serve para os periodos de chuva, mas sim, para se proteger do sol, uma vez que quase nao chove aqui. Tudo bem que o calor eh de matar, mas chega a dar medo o jeito como eles falam dos perigos do sol. Quando falei aos meus colegas de trabalho que, no Brasil, no verao, as pessoas adoram ir para clubes, parques e praias tomar sol, eles ficaram escandalizados. Eh como se eu contasse a eles que os brasileiros tomam banho de acido sulfurico nos dias de verao. E nem adianta dizer que o sol tambem fornece vitaminas e que, se o corpo ficar exposto ao sol durante certos horarios durante o dia faz bem a saude, porque para eles, isso eh apenas conversar fiada. Sol eh ruim, e pronto. Eh mais comum ver pessoas usando blusas de manga curta na inverno do que no verao. Nao sei como eles aguentam ficar nesse calorao com calcas e blusas de manga comprida...
Durante a estacao do calor, o numero de equipamentos de ar condicionado ligado aumenta exponencialmente. No entanto, aqui na India nao ha um sistemam eficiente para fornecimento de energia eletrica para todos. Entao, durante todo o periodo de verao, enfrentamos as famosas quedas de energia. Simplesmente ocorre todos os dias: quem pode, compra um gerador eletrico e coloca na propria casa. Quem nao pode, alem de sofrer com falta de energia constantemente, corre o perigo de perder a geladeira, a televisao e outros eletroeletronicos, alem de ter que aguentar o calor sem ar condicionado, pois ele nao funcionara mesmo que voce tenha um (infelizmente, me incluo na segunda posicao). A noticia boa eh que, pelo menos por enquanto, as quedas de energia duram apenas de 30 minutos a 2 horas e, a maioria, durante a noite. Pior eh se ficasse o dia inteiro sem energia...
Todavia, essa queda tambem atrapalha o desenvolvimento dos trabalhos no laboratorio. Apesar de la ter geradores, quando a energia cai, todos os equipamentos sao desligados antes do gerador comecar a funcionar. Afinal, ele soh funciona quando nao ha mais o fornecimento normal de energia eletrica. Conclusao: se um experimento depender inteiramente de equipamentos que se desprogramam cada vez que forem desligados com as quedas de energia, vai tudo por agua abaixo. O jeito eh arriscar, e seja o que Deus quiser!





Feliz Ano Novo!


Diario de bordo: marco de 2008

O dia 2 de abril vai concluir meus seis meses de estadia aqui na India e metade do tempo em que ficarei no pais. Desde que cheguei aqui, ja participei de quarto celebracoes de Ano Novo, em meses diferentes e de origens diferentes. Nunca um mesmo ano comecou pra mim tantas vezes! Por isso, resolvi falar nesta carta sobre comemoracoes de Ano Novo. Alem do Ano Novo do dia primeiro de Janeiro que comemoramos sempre, participei da virada do ano vietnamita, iraniana e indiana. Cada um com seus calendarios e rituais proprios e, com certeza, todos interessantes. Fiquei imaginando no quanto as celebracoes de Ano Novo nos paises asiaticos e na peninsula Arabica sao cheios de significados e tradicoes, ao contrario de nossa celebracao, cuja origem nem sabemos de onde vem. Dessa forma, aproveitei e fiz uma pesquisa sobre a comemoracao do Ano Novo na nossa cultura para podermos fazer uma comparacao. Entao ahi vai:


Ano Novo indiano:


O Ano Novo na India eh chamado de Diwali e eh normalmente comemorado no mes de novembro, sendo que o dia muda de acordo com o calendario lunar (assim como a nossa Pascoa). O Diwali eh tambem chamado de “Festival das Luzes” , pois muitas lampadas e velas sao acesas nesta epoca, simbolizando a vitoria do bem sobre o mal dentro de cada ser humano. Este festival, alem de ser celebrado pelos hinduistas e sikhistas, eh comemorado pelos budistas, principalmente na regiao do Nepal. Alguns relatos indicam que este festival era comemorado durante o ultimo periodo de jejum do ano, antes do inverno. Geralmente, vem acompanhado de preces a deusa Lakshmi, com pedidos de bencaos para o novo ano que se aproxima. O Diwali eh celebrado de varias maneiras por toda a India. Na regiao norte, o Diwali representa a volta do rei Rama de Ayodhya, apos 14 anos exilado nas florestas do pais. O povo de Ayodhya comemorou a chegada do rei acendendo velas (avali) e luzes em geral (deepa), dai o nome Deepawali, ou simplesmente, Diwali. No sul do pais se comemora o dia em que Lord Krishna derrubou o demonio Narakasura.
Nao eh necessario esperar ate a meia-noite para se comemorar o Diwali. Basta ter em maos bastante fogos de artificio e varios pisca-pisca e velas decorando a casa. Os indianos costumam comemora-lo durante o dia e ate as 10 da noite, pois fogos de artificio e musica alta sao proibidos apos as 23:00h (e eles respeitam isso).

Ano Novo Vietnamita:
Tet, na linguagem vietnamita, simboliza a primeira manha do Ano Novo no Vietna e eh conhecida tambem pelo nome de Nguyen-Dan. Sua celebracao dura cerca de 7 dias e envolve muito entusiasmo e alegria, sendo um dos festivais mais populares do pais. A alegria associada ao Ano Novo vietnamita pode ser atribuida ao fato de que esta celebracao ocorre no periodo de descanso das terras para plantio, depois do periodo da colheita e antes do cultivo da nova safra. Nesta epoca, as pessoas fazem grandes limpezas e decoram suas casas com a crenca de que, fazendo isso, estarao livres de maus-olhados e das mas lembrancas associadas ao ano anterior.
O Ano Novo vietnamita segue o calendario lunar que tem 354 dias e, este ano, foi comemorado no dia 17 de fevereiro. Por isso, a data nao eh fixa, varia a cada ano. Um dos rituais seguidos nesta epoca eh vestir-se com as roupas tipicas, chamadas de Saigon, e visitar os parentes e amigos mais proximos. As comidas regionais mais comuns sao o frango caipira (sim, la tambem se come frango caipira!) e o “ban chung”, que consiste num pastel recheado com arroz, feijao e carne de porco.

Ano Novo Iraniano:
Eu nao cheguei a participar da cerimonia de Ano Novo deles porque seria as 9:30 da manha de uma quinta-feira. Mas eles comemoraram depois no ICGEB e me convidaram para participar com eles. Logicamente, fiz bastantes perguntas sobre a data e os significados deste Ano Novo para eles, entao descrevo para voces o que eles me passaram:
A palavra Norooz (Nowruz, Nevruz, Newruz, Navruz) significa “novo dia” ou “novo ano” em persa e consiste em representacoes simbolicas de dois conceitos antigos – o Fim e o Renascimento; ou o Bem e o Mal. Algumas semanas antes do Ano Novo, os iranianos tambem limpam e arrumam suas casas. Eles costuram roupas novas, fazem bolos e doces, e plantam sementes como siginificado de renovacao. O Ano Novo persa se da no inicio do equinocio da primavera ou em 21 de marco de cada ano. A tradicao remonta ha mais de 15000 anos – antes da ultima era glacial. O rei Jamshid simboliza a transicao dos indo-iranianos cacadores de animais para os homens civilizados da historia. E as estacoes do ano sao de vital importancia, pois tudo dependia das quarto estacoes. Apos o inverno, o comeco da primavera era a ocasiao em que a mae natureza trazia o verde das arvores, o colorido das flores e o nascimento de animais no campo.
As origens do NoRuz ainda eh desconhecida, mas remonta diversos anos atras, na Dinastia Aquimeniana. Os iranianos antigos (os persas), tinham um festival chamado “Farvardgan”, que durava 10 dias e acontecia no final do ano solar. A principio, parece ter sido um festival de lamentacoes, significando o fim da vida, enquanto que o NoRuz, que acontece no comeco da primavera, significa renascimento, e eh um momento de alegria e celebracao.
A outra representacao simbolica do NoRuz eh baseada em torno da ideia do triunfo do bem sobre o mal. De acordo com o Livro dos Reis (Shah-nameh), um epico nacional iraniano escrito por Ferdowsi, NoRuz tem origem durante a dinastia do rei Jamshid. Quando ele derrotou os demonios (divs) e conquistou seus tesouros, eles se tornou o mestre de todos os territorios, menos do paraiso, mas trouxe grande prosperidade para seu povo. Assim, para alcancar o paraiso, Jamshid mandou construer um trono com as joias capturadas em suas conquistas. Ao sentar no trono pronto, ele ordenou que os demonios o levasse ate o ceu. Quando os raios do sol bateram em seu trono, o ceu ficou iluminado por uma multitude de cores. As pessoas ficaram fascinadas com o poder do rei , oferecendo-lhe mais joias e tesouros. Este dia de grande celebracao foi chamado de NoRuz, e foi reconhecido como o primeiro dia do ano.
Por volta do dia 21 de marco, os iranianos colocam nas suas casas uma mesa com sete itens: um vaso com brotos de lentilhas ou de trigo, um pudim, vinagre, maçãs, alho, pó de sumagre, frutos da árvore jujube; outros elementos que enfeitam a mesa são moedas, o Avesta, um espelho e flores. Em geral, os elementos colocados nas mesa comecam com a letra “s” em persa (o por que, eu nao sei). Cada elemento tem um significado, simbolizando uma mensagem de luz, reflexao, vida, amor, alegria, producao, prosperidade e natureza. O Noruz é celebrado com o uso de roupas novas, com o consumo de pratos especiais, com a troca de presentes e com a celebração de cerimônias religiosas. O fogo tem nele um significado especial.

Ano Novo Ocidental:
A comemoracao do nosso Ano Novo tem origem num decreto do governador romano Julio Cesar que fixou o dia primeiro de janeiro como o dia do Ano Novo em 46 a.C.. Os romanos dedicavam esse dia a Jano, o Deus dos portoes. O mes de janeiro, deriva entao do nome de Jano. No entanto, o calendario cristao vem do calendario egipcio e dizem que ha 3750 anos a. C. a estrela Sirius se alinhou com a estrela Canopus exatamente a zero-hora, iluminando as Piramides de Guiza. A partir desse dia, o primeiro minuto do ano passou a ser celebrado como o momento em que se abria a janela (ou os portoes) do Ano Novo.
A comemoracao do Ano Novo se da de varias formas em diversos paises. Existe uma ilha chamada Regiao Autonoma da Madeira, perto de Portugal, onde o fim de ano é provavelmente o dia mais festivo durante o ano. O reveillon na principal cidade, Funchal, é um dos mais famosos do mundo, estando o espectáculo de fogo de artifício no livro de recordes do Guinness como o "maior espectáculo pirotécnico do mundo". Este espectáculo ganha especial interesse pois o Funchal é uma cidade em anfiteatro, onde as pessoas espalham-se numa área com mais 17 km e com mais de 600 metros de altitude. A cidade recebe ainda na orla marítima dezenas de navios de cruzeiro, o que aumenta o ambiente de festa. Durante 5 dias a ilha recebe mais de cinquenta mil turistas, que aproveitam para, mesmo em Dezembro, banharem-se nas águas temperadas do arquipélago e apanharem algum sol. Á noite ainda há tempo para vislumbrar as intensas e luxuriantes decorações de luzinhas de todas as cores que se espalham por quase todas as ruas da cidade. Na Escocia há muitos costumes especiais associados ao Ano Novo - como a tradição de ser a primeira pessoa a pisar a propriedade do vizinho, conhecida como first-footing (primeira pisada). São também dados presentes simbólicos para desejar boa sorte, incluindo biscoitos. Ha tambem aquelas comemoracoes que ja conhecemos, como em Nova Iorque, onde acontece a celebracao mais famosa de Ano Novo - a de Times Square - onde uma bola gigante começa a descer às 23 horas e 59 minutos até atingir o prédio em que está instalada, marcando exatamente zero hora (00:00:00).
No Brasil, as comemoracoes mais famosas sao as do Rio de Janeiro e Sao Paulo. No Rio de Janeiro celebração mais famosa é a dos fogos de artifício em Copacabana. Milhões de cariocas e turistas juntam-se nas ruas à beira-mar e nas praias para assistirem ao longo espectáculo, que começa prontamente à meia-noite do novo ano. Em Sao Paulo a Avenida Paulista é o palco de atrações e queima de fogos. Em 31 de Dezembro de 2005, a festa reuniu mais de dois milhões de pessoas, e na "virada" para 2008 foram 2.300.000, sendo o maior do Brasil, e um dos mais seguros (foi o jornal que escreveu...). Sem contar que, na virada do ano, muitas pessoas tomam decisões ou fazem promessas de coisas que esperam conseguir no novo ano. Elas podem desejar perder peso, parar de fumar, economizar dinheiro ou arrumar um amor para suas vidas.

India-Brasil

Diario de bordo: fevereiro de 2008.

Quanto mais tempo eu passo aqui na Índia, mais eu entendo o Brasil. Os comportamentos que vejo aqui dos cidadãos, dos membros do governo, das pessoas ligadas à justiça e a economia me fazem refletir sobre como esses dois paises, Brasil e Índia, mesmo tão diferentes na cultura, são tão parecidos nos outros aspectos.
Antes de tudo, quero abordar um fato: o que mais me chama a atenção aqui na Índia, é não só de se parecer com o Brasil, mas de um Brasil de 30 anos atrás. Vou descrever a vocês o que vejo aqui, a principio sem comparações, e perceberão que se eu não disser que estou falando sobre a Índia, acharão que estou descrevendo sobre o Brasil.
Bom, a forma como as pessoas se vestem, as mobílias das casas e os hábitos lembram muito que nos costumávamos fazer há três décadas (ou mais). Calcas boca-de-sino, camisas listradas ou xadrez, roupas coloridas e brilhosas, tudo é moda aqui. E a maquiagem carregada das mulheres tem que combinar as roupas coloridas, alem do exagero em jóias e bijuterias.
Mas não é só isso: os hábitos com a falta de consciência sobre cuidados com o meio ambiente são alarmantes: não se encontram cestos de lixo nas calcadas, nem em centros comerciais (como shopping centres), e mesmo dentro de restaurantes é comum se ver somente um cesto de lixo. Isso leva a população e "se acostumar" a jogar lixos na rua, no chão de estabelecimentos públicos (aqui não quero dizer que seja do governo, apenas um local publico), nos esgotos, fazendo com que, em todo lugar, se veja sujeira pelo chão. E onde há cestos de lixo, vê-se mais entulho ao lado dos cestos do que dentro deles.
Homens fazendo xixi na rua é habito por aqui e não, falta de educação. E não há a mínima discrição para tal ato. Às vezes, não é preciso nem uma parede para se acostar, pode ser num parque, num campo de críquete, qualquer lugar vale. Agora imaginem o cheiro das calcadas... alguns lugares ate tem pequenas paredes de azulejo para que os mijoes possam tirar a água do joelho com um pouco mais de "privacidade", mas banheiro publico que é bom, não tem.
Atrasos: indianos são campeões em impontualidade. Nunca uma festa, reunião, concerto ou encontro começa no horário marcado. O transito incomum sempre serve de desculpa, mas sabemos que não é o caso na maioria delas. Se algum deles te pedir para esperar 5 minutos, pode saber que serão 20, e se te pedirem 20 pode ir embora porque será pelo menos 1 hora de chá de cadeira.
Higiene pessoal; nesse ponto ganhamos dos indianos: pelo menos nos temos a consciência (bom, eu acho que temos) que sair do banheiro e comer sem lavar as mãos não é nada higiênico – a maioria da população indiana não acredita que isso seja uma verdade. Escovar os dentes pelo menos duas vezes ao dia ajuda a manter os dentes limpos, certo? Para os indianos, basta não comer doces todos os dias que os dentes permanecerão limpos, não importa se você os escove ou não... (vai saber...)
A corrupção dos políticos e de outros servidores públicos ocorre numa mesma freqüência e dimensão que vemos no Brasil. Quer passar num concurso publico? Tenha um "QI". Quer estacionar em lugar proibido sem pagar multas? Seja um "QI" (ou pelo menos tenha um posto alto no setor publico). Quer trabalhar pouco, ganhar muito e ainda ser um QI? Seja um funcionário publico!
Ponto positivo: a população indiana é uma população feliz. Deixe-me explicar: aqui as pessoas são mais alegres, prestativas e podemos dizer conformadas com a situacao em que vivem.

Apesar da pobreza e miséria que vemos aqui, não se vê pessoas reclamando ou tomando atitudes para que isso seja mudado. Todos continuam vivendo suas vidinhas na melhor maneira possível e da melhor forma possível. (será que isso é ponto positivo...?)
Então, por que o Brasil e a Índia são paises subdesenvolvidos, mesmo tendo tantos recursos naturais, mão-de-obra de sobra, turismo e economia em constante crescimento? Em minha opinião, somos e continuaremos a ser paises em desenvolvimento simplesmente porque somos assim, alegres, prestativos e conformados com nossa situação. Não gostamos dos problemas, mas não tentamos resolve-los. Temos medo que a camada de ozônio nos impeça de ir à praia ou ao clube nos dias de sol, mas continuamos jogando lixo nas ruas e em qualquer lugar. Tememos doenças transmitidas pelas chuvas, água parada, animais, mas continuamos urinando nas ruas, jogando entulhos em terrenos baldios e continuamos culpando o sistema do governo por isso, como se fosse suficiente para resolvermos os problemas do pais. E, mais do que tudo, esquecemos de que somos nos, a população, quem elegemos as pessoas que tomam conta de nosso pais, assim como aqui na Índia. E o pior de tudo, é saber que ate mesmo eu estou incluída nisso.
O que há de diferente entre o Brasil e a Índia? Para mim, somente duas coisas: a maioria da população brasileira é crista; a indiana, é hindu. O Brasil fica na América; a Índia, na Ásia.
Agora entendi porque os portugueses, quando descobriram o Brasil, acharam que tinham chegado à Índia...

Race is in my heart...


Diario de bordo: janeiro de 2008.

Vi que das ultimas vezes não falei muito sobre o transito, mas a pedidos, e devido ao fato de que muitas pessoas ficaram horrorizadas ao conhecerem o trafego daqui, resolvi falar mais um pouquinho sobre o sistema de transito da Índia.
Há quem diga que, quem souber dirigir na Índia, dirige em qualquer lugar. Mas acho que, na verdade, é o contrario: se você não consegue dirigir em lugar nenhum, com certeza conseguira aqui. Isso porque, para mim, as leis de transito daqui se resumem em 4 regras básicas: 1) Acelere; 2) Freie; 3)Use o volante e 4) Buzine. Se você souber utilizar estas quatro regras estará apto para dirigir aqui. Serio, porque na Índia não há obrigação em usar setas, retrovisor, respeitar sinais de transito, seguir a faixa desenhada no chão, nem mesmo seguir a mão da via. Faixas de pedestres então são apenas artigos de decoração! Coitados dos pedestres que se atrevem a utilizá-la... ficam mais perdidos do que cego em tiroteio: não sabem se voltam para a calcada ou se correm para o outro lado. Alguns ficam parados no meio da rua esperando a hora da morte ou uma alma bondosa que acaba parando para não atropelar o pobre coitado (isso depois de buzinar bastante, claro). O instrumento predileto deles é a buzina: para chamar a atenção de alguém, buzine; para virar, buzine; para ultrapassar, buzine; para parar, buzine... difícil ver acidentes de carro, mas se bater, não ligue, foi só um zine; para andar, buzine; se tiver alguém na rua, buzine; se não tiver ninguém na rua, buzine também para não perder o habito. É incrível como esse povo gosta de buzinar! No começo, eu achava o barulho infernal, mas hoje acho que estou tão acostumada com o barulho que nem presto atenção quando um carro buzina. Nem assusta mais.
Outro fato interessante é como eles dirigem. Se existem três faixas na rua, com certeza vão existir pelo menos 5 veículos andando um do lado do outro. Por que andar na faixa certinha se fica

espaço sobrando dos lados, não é mesmo? É muito amassadinho... mais difícil do que ver acidentes de transito, é ver alguém descer do carro para reclamar. Bateu, não foi grave, só deu uma arranhada ou amassada, então não tem problema, amigo, continue dirigindo e seja feliz! Carro que é carro indiano tem que ter a lataria amassada em algum lugar ou um arranhado, ou não é carro indiano!
Ok, as setas aqui não são muito utilizadas, mas descobri por que: quando alguém liga a seta do carro, não somente a luz fica piscando, mas um alarme infernal começa a tocar. Parece sirene que construção, um horror! Fica parecendo que o motorista esta pedindo para evacuarem a área, pois ele esta chegando! Imagina quando alguém vai estacionar fazendo baliza e com a seta ligada: da a impressão de que o condutor é aprendiz e esta fazendo todo o alarde para que ninguém se aproxime, pelo menos não nos próximos 200 metros de distancia! Rs. Pior é imaginar um indiano dirigindo em outro pais, como ele deve sofrer sendo obrigado a seguir tantas regras, já que em seu pais de origem não foi preciso mais do que duas horinhas de aula na auto-escola para conseguir a carteira de motorista... rs. E ainda pior do que isso, é ver todos os dias aquele oceano de carros nas ruas de Nova Deli seguindo apenas as 4 simples regras de transito que eu mencionei acima. Aff... Como diz a musica de um filme de Bollywood: "Race is in my heart..."
E por falar em Bollywood... É muito interessante ver como as pessoas gostam dos programas regionais e nacionais de televisão. Ao contrario de nos brasileiros que adoramos filmes e seriados americanos, rejeitando e ate mesmo ridicularizando a programação da TV brasileira, aqui a maioria das pessoas não gosta de programas e filmes americanos e preferem os indianos. Nos cinemas, 90% das salas são ocupadas por filmes indianos; são poucas as que mostram filmes americanos ou de outras nacionalidades. E, apesar de aqui ter TV a cabo, com canais de vários lugares do mundo, a maioria gosta mesmo dos programas de auditório, concursos de dança e filmes musicais daqui do pais.
Os filmes costumam sempre contar uma historia parecida e todos são musicais. No final o gala sempre fica com a mocinha e vão viver felizes para sempre. As musicas que tocam nos filmes viram sucesso nas rádios e, em pouco tempo, todo mundo esta cantando e decorando os passos das coreografias dos filmes. Não há cenas de beijo na boca, violência, sexo ou drogas nos filmes. No maximo o que se vê é um selinho. São todos bem mamão-com-acucar, mas muito agradáveis de assistir. Quando abordam algum assunto polemico, colocam questões sobre cultura, pobreza e "ocidentalização" da Índia no roteiro, mas nunca expõem os assuntos de forma que o final seja desagradável ou triste. No fim, tudo acaba bem.
Os programas de auditório também são o Maximo! Existem vários programas de concurso de dança (tipo imitando as danças vistas nos filmes) e o bom é que os juizes nunca são mal-educados ou deselegantes, como vemos em alguns concursos que passam na televisão brasileira. Por mais que o candidato seja ruim, ele sai do programa sorrindo, pois os jurados são bem agradáveis. Os concursos tipo "Ídolos" e "Fama" também funcionam da mesma maneira, o importante é competir.
Ta bom por hoje, ne? Inte o mês que vem e bom Carnaval para todos!