terça-feira, 28 de julho de 2009

Made in Brazil

Há duas semanas atrás, o jornal “Hindustan times” publicou um artigo sobre a influencia que a novela “Caminho das Índias” esta fazendo na população brasileira. O interessante é que o autor do texto é o embaixador da Índia no Brasil. Ele mostrou seu ponto de vista e opiniões muito verdadeiras, bem como descreveu o modo como ele vê a população brasileira diante do que é passado na novela. Resolvi traduzir algumas partes do texto e postar aqui. No jornal o texto parece ser bem pequeno, mas aqui ficou um pouco grande. Mas vale a pena ler:


“Como diplomata há mais de 30 anos, tenho representado a Índia em todos os continentes do mundo: Europa, Ásia, América do Norte, África e agora, América do Sul. E durante todos esses anos, eu nunca vi nada comparado ao que estou vendo agora: a mais estranha e forte manifestação de atração pela Índia por meio da novela brasileira “Caminho das Índias”.
Um poder amenizado é um novo conceito nas relações internacionais. A palavra ‘coined’ (que vem de ‘coin’ – moeda), de acordo com o Professor de Harvard Joseph Nye, traduz como algo que é relevante, especialmente no mundo de hoje. Nye argumenta que apesar dos aspectos convencionais de poder conhecidos – poder militar, influencia política – a atração de um país, com respeito a seus aspectos mais ‘suaves’ – cultura, artes, imagem, status moral, etc - pode também ter um forte impacto, criando boas ou más influencias. Isso não é verdade?
Claro, como um diplomata indiano, eu tenho consciência disso, mesmo antes da teoria. Nós somos uma civilização única com cultura, costumes, vestiário e culinária característicos. A Índia é um pais complexo e nossas contradições e hábitos curiosos não são sempre fáceis de compreender. No entanto, há respeito pelos indianos e apreciação por nossa cultura. Eu tenho sempre batalhado para mostrar para o publico de um pais estrangeiro algo sobre minha terra e seus valores. Mas eu nunca havia imaginado que uma novela popular poderia alterar tão dramaticamente as impressões de um pais, principalmente um pais tão grande e populoso quanto o Brasil.
Assim como a novela “Caminho das Índias” chega à casa dos brasileiros todas as noites, a curiosidade e afeição pela Índia parece estar crescendo. Nós sabemos disso pelo numero e tipo de questionamento que recebemos em nossa embaixada e as perguntas que respondemos hoje em dia: o que significa o ‘bindi’, se os Dalits ainda são intocáveis na Índia, se homens e mulheres adultos dançam o tempo todo em casa, e muitas outras tantas esquisitices que são vistas na novela. Nós fazemos o que podemos com humor e imaginação para responder a tais questões. Nem todo mundo quer ouvir longas aulas ou discursos sérios para ter as perguntas respondidas. Temos também visto o mercado crescer na oferta de ‘sarees', ‘kurtas’, incensos e outros artigos exóticos. Nós carecemos de autênticos restaurantes indianos em cidades como Brasília e Rio de Janeiro. A oferta de uma culinária indiana está hoje limitada a apenas a cidade de São Paulo.
Uma questão freqüente que eu sempre me pergunto é: essa é uma novela autentica? Ela mostra a realidade da Índia? Eu honestamente não sei como responder. Primeiro, novela é uma novela e não, um documentário. Pela sua própria natureza, ela exagera, glamoriza e seleciona o que é exótico mais do que aquilo que é habitual e comum. Os brasileiros, até o momento, parecem entender isso. Segundo, o que é REAL num país com tanta diversidade, complexidade e contradições? Eu termino dizendo a meus amigos brasileiros que tudo o que a novela mostra é verdade em partes, em alguns lugares, mas o oposto é verdadeiro em equivalência. Nas perguntas mais freqüentes sobre casamentos arranjados, sistemas de casta, dote e similares, nós aproveitamos essas questões como uma oportunidade de mostrar nossa Índia moderna.
Por que Índia? Pergunta meus colegas, diplomatas de outros paises que hoje, mantêm aquele toque de inveja. Eu não sei, pergunte a Gloria Perez, a escritora. Mas em reflexão, eu sinto que a Índia é, talvez, um modelo natural. Apesar de tudo, nós nos parecemos. As atrizes brasileiras são extremamente lindas, mas também conseguem parecer bem indianas e convincentes. Atores brasileiros de renome atuam bem em papeis de um Pandit ou de um patriarca indiano, mesmo quando todo o dialogo é em português. Então, vem as afinidades naturais. Os brasileiros adoram estórias voltadas para o amor familiar com infinitas complicações, bem como nós. Os brasileiros são românticos e nós também, mesmo que o estilo de romantismo seja diferente! Eles gostam de estórias sentimentais com risos e lagrimas; nós nos atraímos pelos mesmos perfis. E ainda, somos tão diferentes. Temos costumes completamente diferentes de comer, namorar, romancear e casar. Tudo isso adiciona ‘masala’ a novela.
E mesmo sem a novela, estamos num bom momento de relações Índia-Brasil. O presidente Lula e o Primeiro Ministro Manmohan Singh são amigos e mantêm contato tanto para o G-20 quanto para o IBSA, muito acronismo de arquitetura internacional que nos coloca juntos.
As relações entre Índia e Brasil mudarão para sempre por causa da novela? Eu não seria ingênuo o bastante para acreditar nisso. Mas, futuramente, em cada esquina do Brasil, ‘saree’ não será mais uma palavra desconhecida, ‘theek hai’ poderá ser entendido e um visitante indiano poderá ser recebido com um toque de familiaridade.”

B.S.Prakash (Embaixador da Índia no Brasil).

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Formula auto-rikisha

Li outro dia, não sei onde, um artigo explicando o porquê de ocorrerem tantos acidentes automobilísticos catastróficos nos Estados Unidos. De acordo com o escritor (de quem também não me lembro o nome), nos Estados Unidos, as pessoas acreditam e confiam no sistema de transito e, portanto, o obedecem. Assim, ninguém perde tempo olhando para os lados antes de atravessar uma pista quando o sinal esta verde. O motorista sempre acredita que ninguém será doido o suficiente para ultrapassar o cruzamento com o sinal vermelho. Por isso, quando alguém o faz, o resultado são acidentes fatais.
Sem querer, acho que esse cara explicou porque aqui na Índia eu nunca vi acidentes de transito com vitimas fatais. Claro que deve acontecer, mas não é freqüente. A verdade é que ninguém confia ou obedecem às leis de transito por aqui. É um mar de “salve-se quem puder”, onde carros competem entre si para ver quem ultrapassa mais sinais vermelhos, anda mais na contramão ou faz mais ‘gatos’ durante um dia. Não existe carro sem um amassado na lataria, pois batidas ocorrem diariamente. É como estar num parque de diversões, naquele brinquedo de carrinhos de bate-bate. Se bateu, há uma discussão entre os motoristas que dura de 2 a 5 minutos e pronto, cada um vai para o seu lado. Às vezes, os motoristas nem se dão ao trabalho de discutir e simplesmente continuam a seguir pela via como se nada tivesse acontecido. E não é só entre carros; os auto-rikishas também fazem parte do cenário. E como fazem! Quando as pistas estão um pouco mais vazias, eles aproveitam para usar toda a potencia do veiculo e correm como se estivessem num rali. Só que um rali sem navegador, sem sistema de segurança... Só o motorista e nós, passageiros, que ficamos pulando de um lado para o outro no banco de trás. Outro dia peguei um desses para ir para casa. Creio que o motorista deveria estar participando de uma Formula auto-rikisha urbana e resolveu me levar com ele. Alem do fato do veiculo provavelmente não ter freios – pois o rikisha quase chegou a ficar sob duas rodas em uma das curvas durante o percurso – o motorista corria tanto que eu já estava procurando um lugar com faixas, cartazes, torcidas e uma fita atravessada na pista simbolizando a linha de chegada. Acho que o total do trajeto deve ter levado 20 minutos, mas, na minha cabeça, levou umas duas horas... Juro que senti meu coração pulando pela boca. Isso quando eu não tinha que segurar minha mochila que quase ia voando rikisha-afora. Ah, e detalhe: eu estava de saia. E essa fazia questão de esvoaçar o maximo possível só para eu ficar mais aflita. Nessa hora aprendi todos os mantras hindus, orações católicas, e preces muçulmanas existentes no universo. Nunca rezei tanto, tão rápido e tão desesperadamente em minha vida... e miraculosamente, o motorista conseguiu fazer todo o trajeto sem nenhuma batidinha. Faltando 200 metros para chegar a minha casa, meu subconsciente já estava tão no ritmo de corrida que começou a tocar a musica-tema do Ayrton Senna... Gloria! Cheguei em casa viva! Dei ate um trocado a mais para o motorista; não por merecimento, mas para que ele nunca mais apareça em minha vida...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A saga do sutiã

Descobri uma coisa muito desagradável no meu gaurda-roupa: estou sem sutiã! Bem, eu tenho uma boa quantidade de sutiãs, mas todos em situação pos-terceira Guerra Mundial. Só me restaram dois: o que eu estou usando e o que está para lavar. O pior é que, o que estou usando já está sujo, e o segundo ainda não foi lavado... Quando abri a gaveta de sutiã para procurar algo que eu pudesse usar, me deparei com uma cena horrível. Descreverei a situação em que se encontravam meus sutiãs:

O primeiro que peguei estava em boas condições, mas com as alças arrebentadas (e ele não tinha a opção de uso tomara-que-caia). O segundo não fechava, pois já não tinha o gancho que prende o sutiã nas costas. O terceiro parecia que havia sido usado por cupins, pois tinha mais áreas de ventilação (traduzindo: buracos) do que áreas de cobertura. O quarto sutiã tinha tudo, alças, gancho, sem buracos, mas quando o vesti, ele foi parar na cintura, de tão relaxado que já estavam as alças e o tecido do bendito. E não acreditei quando peguei o quinto sutiã: esse estava preparado para ser usado por alguém que sofreu mastectomia do seio esquerdo, pois, incrivelmente, ele só tinha o lado direito do busto... :-P

Sem contar que, o sutiã de rendinha que eu tinha, todo delicadinho e fofinho, não me servia mais. Senti-me usando um sutiã de pré-adolescente quando o vesti (ta bom, eu não me senti com sutiã de pré-adolescente, me senti uma Tchitcholina mesmo...).

Sinceramente, acho que estou precisando de novos sutiãs...

Fiz um grande novelo com todos os sutiãs danificados e joguei tudo no lixo. Adeus, sutiã cruel!

Lógico que a historia não acaba por aqui. Afinal, eu só vou comprar sutiãs novos no próximo final de semana e para não me chamarem de preguiçosa, já lavei os dois sutiãs usáveis que estavam sujos. Enquanto eles secam, vou usando a parte de cima de uns biquínis que tenho por aqui. Pelo menos eles ganham uma utilidade na Índia.

Peitos para-que-te-quero, nunca pensei que eu fosse sentir tanta falta de um sutiã assim...


terça-feira, 14 de julho de 2009

Isso é bom?

Creio que não existem coisas boas ou coisas ruins. Existem coisas boas ou ruins para nós apenas; tudo depende da nossa criação, de nosso hábitos e, principalmente, da nossa capacidade em estarmos abertos a novas experiências. E percebo que, para as pessoas presas a rotina do dia-a-dia, um almoço num restaurante diferente é ruim, o jiló se torna ruim, a carne mal passada se torna ruim, o refrigerante que não é Pepsi ou Coca-cola não é bom. Quem se limita aos próprios hábitos não se atreve a experimentar um passeio diferente, uma viagem a um lugar diferente, uma refeição em horário diferente, um filme ucraniano quem sabe.
Para sair do Brasil e viver na Índia, um pais com hábitos e culturas completamente diferentes, é preciso ultrapassar a barreira do “bom e ruim pra mim” e abraçar o horizonte do “tudo é experiência”. Afinal, o que é ruim para mim pode ser o que há de melhor para outra pessoa. E do que adiantaria cruzar milhares de quilômetros para chegar aqui e não aproveitar nada do que a Índia tem a me oferecer? Nunca gostei de comida apimentada, mas eles adoram. Então deve ter alguma coisa boa nisso, por que não experimentar? Usar roupas coloridas e brilhosas? De acordo com a minha criação, isso é brega, cafona. Mas aqui é moda. Por que não tentar? Quem sabe me sinto mais confortável com essas roupas do que com as que eu usava anteriormente e nem sabia que me incomodavam tanto... Comer com as mãos ao invés de usar talheres, ficar de baixo de uma chuva e me divertir, viajar para os Himalayas com um motorista louco que dirige a 80 km/h numa estradinha a beira de penhascos, dormir sem ar condicionado num clima de 36º C... Para fazer tudo isso não é necessário coragem. Muito menos chega a ser irresponsabilidade ou preguiça. É preciso simplesmente se libertar dos antigos costumes, dos pré-conceitos bobos que criamos não sei por que, e aproveitar o que vier. Em todos os sentidos da palavra. Aproveitar de experimentar, de se divertir, de extravasar. E quem disse que isso não é bom?

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Só comigo acontece essas coisas...

Numa bela noite de calor, lá estava eu no meu quartinho toda refrescada pelo ar condicionado, já pronta para dormir, quando, de repente, a luz acaba. “&^*#@$!!!!” foi a primeira coisa em que pensei. Há duas semanas que a Companhia de Energias Elétricas de Delhi vem brincando de liga-desliga/desliga-liga, nos deixando sem luz a qualquer hora do dia ou da noite, e por tempo que varia de 15 minutos a infinito. E quando a energia cai à noite não há santo que consiga dormir; o jeito é esperar a bondade divina para que o ar condicionado volte a funcionar e o quarto fique fresquinho o suficiente para que eu não precise molhar o colchão para ter uma boa noite de sono. Pois bem, voltando ao assunto. Como já não ia dormir mesmo, resolvi ir para a varanda do meu ape para me refrescar. Nisso, reparo que, não somente todos os outros prédios da vizinhança tinham energia elétrica, como também os outros apartamentos do prédio em que moro! Ai apelei. Não acredito que a CEB de Delhi ia ser tão sacana comigo a ponto de corta única e somente a energia do MEU apartamento!
Desci as escadas e fui ao apartamento do térreo falar como o “landlord” (o dono do prédio e para quem o aluguel devemos pagar), e perguntei se a chave do meu ape tinha caído (pois já aconteceu isso algumas vezes devido à quantidade de energia que o ar condicionado puxa), mas estava tudo normal. No prédio em que moro, somente eu tenho ar condicionado, o que implica que, quando a energia cai só no prédio e em mais lugar nenhum, a culpa é do ar condicionado.
Bom, se não era a chave que tinha caído, o que poderia ser, então? Voltei para o meu apartamento, e quando estava entrando, senti um cheiro forte de queimado vindo da cozinha. Quando abri a porta, descobri a razão do meu problema: uma das tomadas havia explodido (como, eu não sei), e levou junto toda a fiação elétrica da casa. As únicas coisas que funcionavam eram o interruptor da luz da cozinha e a tomada da geladeira, mais nada (que provavelmente vinham de outra fiação, ou não estariam funcionando também). Ate o meu forninho elétrico foi destruído no incidente.
Nessa altura do campeonato já era quase meia-noite e, logicamente, não havia eletricista disponível para ir consertar a bagunça. O jeito foi improvisar... E improvisei indo dormir num hotel. Pelo menos aqui perto de casa tem uns 5 hotéis e, devido à concorrência entre eles, os quartos são bons e os preços não tão ruins. Aproveitei ate para degustar o café da manha (tava pagando mesmo...), mas dormi que nem um bebe e só voltei para casa para buscar meu computador e fui trabalhar.
Agora estou aqui, escrevendo este texto. Hoje de manha, antes de vir para o ICGEB, eu pedi para o dono do prédio chamar um eletricista durante o dia já para ir consertando o estrago. Estou aqui pensando qual a surpresa que terei a noite ao chegar em casa... Será uma surpresa boa ou ruim? De qualquer forma, hoje é sexta-feira, amanha não terei que trabalhar, então o pior que pode acontecer é se a tomada da geladeira resolver tomar partido na revolução e também queimar... ‘Bate na madeira’...